Decadência da Cultura <br>como vivência e factor de progresso

Urbano Tavares Rodrigues
A atracção pelo modelo de vida americano entrou na Europa com a proliferação de centros comerciais, estabelecimentos defast food, cinema no geral violento e simplista, que, com brilhantes e por vezes arrojadas excepções, veiculava os valores de uma sociedade de mercado, especialmente sob as presidências de Reagan.
Nova Iorque tornou-se um grande centro de criação e difusão cultural, mas não eram os Norman Maylor, os Truman Capote, os John Updike, os Philip Roth ou os Gore Vidal que sociologicamente representavam a literatura da facilidade, do êxito calculista, da intervenção dos «redactores» nas obras dos autores, que atingiam fabulosas tiragens.
As multinacionais começavam a investir também nas editoras e nas literaturas de concessão ao mau gosto altamente rendosa.
Se considerarmos a questão, do lado dos produtores de verdadeira literatura, encontramos por toda a parte (e nomeadamente no nosso país) vários tipos de reacção: a dos intelectuais que aceitam esse estado de coisas como uma fatalidade, ligada ao modelo económico vigente, o capitalismo na sua fase neoliberal, ainda cheia de força, embora já a caminho da sua auto destruição (apressada pela revolta dos trabalhadores); a atitude muito frequente da crítica benigna ou mesmo colaborante dos que fazem pequenas concessões de sobrevivência; e a resistência frontal dos que não se cansam de denunciar o sistema e até têm, nalguns casos, dificuldade de publicar, se não estiverem mesmo no topo da produção, pelo seu talento, ou por circunstâncias que os guindaram à linha da frente.
Em Portugal, a falta de apoio estatal às artes que exigem meios económicos relativamente importantes, como o cinema (e mesmo o teatro) reflecte-se na inexistência de uma quantidade significativa de obras de grande qualidade, que existem apenas em número reduzido. Pode assim perguntar-se: há um novíssimo cinema português? Bastarão as dezenas de obras admiráveis e renovadoras, premiadas nos grandes festivais, para se responder afirmativamente? Tão-pouco o nosso teatro, que se distingue por excelentes encenações e interpretações de textos estrangeiros ou remexe, mais raramente, nos nossos clássicos, tem condições económicas para se aventurar (ou só de longe a longe) em novos originais portugueses.
Uma onda de mediocridade afoga assim a produção livresca, as revistas, os jornais, toda a comunicação cultural, deixando de lado ou anulando o aparecimento de jovens talentos.
É na imprensa, nos jornais e nos grandes semanários e nos grande meios de informação audiovisuais que mais se faz sentir o peso do grande capital dominando o poder político. Exerce-se directa e indirectamente e consegue com frequência filtrar ou deformar a informação, em noticiários importantes, em mesas redondas de onde os partidos mais à esquerda são quase sempre banidos.
É certo que, se nalgumas entrevistas os jornalistas preservam certa dignidade e objectividade, na maioria dos programas, sob a conveniente aparência de isenção, dá-se eco à voz do dono ou valorizam-se pontos de vista oficiais, quando não dos mais hábeis e dos mais agressivos adversários do mundo do trabalho.
Em relação à cultura, para voltar ao nosso tema, é tão exígua a atenção que lhe concedem circunstancialmente que pouco contribui para a sua difusão. Apenas dois ou três rostos – e quase nunca por muito tempo – surgem a assinalar um evento (musical, teatral, das artes plásticas) ou o aparecimento de um livro. E, contudo, uma maior atenção a esses domínios culturais poderia contribuir decididamente para a ascensão do povo português a um patamar mais alto de convívio com as ideias, as formas e a sua própria formação e descoberta dos outros, dos sentimentos, da vida social, dos sonhos e dos saberes através dessa arte da palavra e da reinvenção da vida que é a literatura.


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